quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Para:Rafael Tamakendo


Entrei na loja de departamento mais lotada de São Paulo, e reconheci o rapaz que me indicaram como sendo Rafael com uma criança no colo e uma mulher muito sorridente com um carrinho ao lado. A carta estava selada em punhos, do jeito quando a encontrei:

 Porto Alegre, 17 de julho de 2007

Rafael,

Já passava das dez da noite quando estacionei o carro numa das vagas vazias pelo meio fio do centro da cidade. A avenida de aspecto sombrio pra mim, tinha sido a única que me observou sonolenta quando eu adentrei a farmácia mais próxima, um ponto de luz forte na noite que continuava. Fui rapidamente aos setores já tão bem conhecidos dos absorventes, peguei um que me fora pedido ao telefone, e outro para eventuais necessidades.
A fila era pequena e logo me tornei mais uma cliente para você. Não, não entenda mal minha colocação. Mas eu fui rápida no cumprimento, sim, eu ainda me lembro do nosso curto dialogo:
" - Bom dia - disse buscando na caixa do balcão meu Trident de menta preferido.
- Boa noite senhora - a sua voz grossa e cortês como deveria ser, mostrava um tom de brincadeira que me alarmou e eu pela primeira desses cinco segundos desde de meu bom dia me preocupei em olhar pra você. Cabelos escuros e lisos, olhos escuros e puxados, ombros largos. Uma fisionomia que eu quase nunca observava nos caras ao redor. Eu peço desculpas pelo meu jeito meio babaca, mas os loiros de olhos verdes sempre foram meu fetiche, mas enfim, você não precisa saber disso. Eu ri.
- Acho que o dia está tão afim de mim que ainda não desgrudou. Mas enfim, quem sabe amanhã ele realmente consiga alguma coisa? - você sabia que era pra ser uma piada, mas talvez essa tenha sido a nossa frase por toda a vida.
Você me deu minha compra e eu agradeci.
- Tenha uma " boa noite" - continuei com o mesmo tom que você usou.
- Quem sabe amanhã? - e assim fizemos nosso bordão."
Saí dali dez vezes mais contente do que entrei, e pela primeira vez descobri como um primeiro contato com uma pessoa que se faz tão especial, pode nos tornar por alguns segundos tanto quanto especial. E naquele contorno que fiz com o carro, parecia que você acenava pra mim. Acenava e jogava fora a minha solidão.
Agora entende a minha alegria quando nos esbarramos naquele shopping? Você sem a roupa branca da farmácia, e eu sem a túnica escura das minhas emoções.
 Sim, você me vestiu de especial, você me tornou especial, e fez com que isso se prolongasse por tantos dias, meses, um ano... 
Odiar você? Como se atreve a pensar algo tão forte sobre a minha pessoa? Você é parte integrante do que eu me tornei hoje. E assumo hoje, de boa vontade, nesse segundo, aquilo que um dia seus beijos me obrigaram a assumir, que você é importante pra mim.
Porque eu escrevo depois de tanto tempo? Não sei, senti vontade de você. De você, da pessoa que você é, e não das carícias que você me deu sem pedir nada em troca. Eu fui uma cretina quando disse tchau pra você na sala de embarque para Porto Alegre e hoje me arrependo das coisas que poderia ter acontecido se eu tivesse feito diferente. A gente teria apostado mais rachas com a bicicleta do seu primo? Teríamos aceitado a aposta do jogo do desafio e correríamos pelados pela rua como nos filmes? Teríamos feito a viagem dos nossos sonhos? Teríamos pulado juntos daquele penhasco que eu tinha medo? Teríamos enfim ... nos casado? Mas o destino foi melhor e fez com que fosse eterno, porque o término desfaz o elo, mas a distância, ela não, ela perpetua a saudade, até quando o amor se esvai.
Eu to voltando hoje, não vou atrás de você, mas quero que você me perdoe pelo mal que te fiz em te deixar, mas me sinto feliz pela profissional que eu me tornei e quero que você faça parte dessa felicidade mesmo que a distância. Eu sei que não é do seu interesse saber disso mas você é importante pra mim, e eu preciso dizer isso a você, pelo menos mais alguma vez.
Seja feliz Rafael, sorria sempre ( você mostra sua alma quando faz isso),seja livre, e não se case ( se lembra da nossa aversão a essa palavra?). Vá para Europa, faça aquele mochilão que você sempre sonhou em fazer, eu sei que agora você tem dinheiro suficiente naquela sua poupança já gorda antigamente. Vá e não espere, vá e não repita o nosso quem sabe amanhã, foi por causa dele que eu perdi muitos dos seus sorriso ao meu lado. E além de tudo seja feliz meu coreano especial, seja feliz, porque de todas, de todas as pessoas existentes na face da terra, você é o que mais merece. 
E agora sim, agora sim, podemos ir sem pensar no que poderia ter sido. 

Daquela Aline que sempre te amará.


- O senhor se chama Rafael Tamakendo?
- Sim, porque? - ele disse olhando meu distintivo desconfiado.
- Meu nome é William, sou perito da delegacia federal brasileira, e estou aqui para lhe entregar uma carta com seu nome encontrada no acidente que ocorreu com o voo 3054 em 2007 no aeroporto de Congonhas, e ela estava perdida no meu escritório, me desculpe por não ter entregado antes.
Ele pegou o papel de minha mão:
- É da Aline?
- Sim - respondi comovido com a história que já conhecia - Eu sinto muitíssimo, mas acho que ela gostaria que essa carta fosse entregue...

Nanda Fernandes ( História fictícia, em sincera homenagem à aqueles que morrem em trágicos acidentes)


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